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Toda Lei Deve Ser Transgredida – por Luc Moullet

Trecho introdutório do texto Vade-mecum, traduzido por Carlos Roberto de Souza para o guia Luc Moullet: Cinema de Contrabando, do Centro Cultural Banco do Brasil. Publicado originalmente em Notre alpin quotidien – Entretien avec Luc Moullet (2009).

Não há regra absoluta, apenas diretrizes úteis a conhecer. Toda lei deve ser transgredida – única obrigação – e é isso precisamente que faz genial o cinema. Aliás, nove entre dez vezes, o que se ensina hoje nas escolas de cinema é o contrário do que se ensinava há sessenta anos. Duas ilustrações à guisa de preâmbulo, e de advertência:

– antigamente, era proibido passar sem transição de um plano geral para um primeiro plano. Essa regra é evidente num filme que adoro, Les Enfants du Paradis: há uma gradação sistemática e muito chata – que sentimos imposta – entre os valores do plano. Enquanto hoje, o encadeamento do plano geral para o primeiro plano acontece magnificamente, desde que seja bem negociado. Ainda que certos cineastas abusem disso, a começar por Sergio Leone.

– a lei dos 180o prega que não se deve inverter completamente o campo/contracampo para evitar que o espectador fique desnorteado. Na verdade, tudo depende do ator. Com Jeanne Moreau, Brigitte Bardot e John Wayne, você pode tranquilamente cruzar a linha dos 180o porque o ator é conhecido, bem assentado, um apoio – serve de referência. A transgressão será muito mais difícil com principiantes que ninguém conhece porque faltará no enquadramento esse apoio estável do olhar.

Como na maioria das regras técnicas em vigor, essas leis são estritamente ocidentais. Os japoneses invertem sem parar o campo/contracampo; para eles, o problema não se coloca. Imaginem: se o Japão tivesse ganhado a guerra, seria o fim dos 180o!
Isso vale para quase todas as leis: elas são tributárias da história ou da geografia. Nenhuma é incontestável nem eterna. É preciso apenas levar em conta o risco que corremos ao decidir aplicá-las. Ou não aplicá-las!